Edleuza


Foi em Rondônia, há muito, muito tempo! Eu era adolescente, então, põe tempo nisso! Essa era uma época em que as cidades do interior possuíam pouquíssimas ruas asfaltadas e vivíamos dois períodos no ano: um de seca e um de chuva. Muita seca, muita chuva. Estávamos lá, como tantas outras famílias, em busca da subsistência. Enquanto nossos pais, os homens, construíam a BR 364, que ligaria Cuiabá a Porto Velho, nós estudávamos e, vários de nós, já trabalhavam.

As escolas ficaram lotadas, com tanta gente vinda de tantos lugares. A escola pública, a nossa escola pública, como sempre, nos acolheu a todos. Posso me lembrar de vários professores, muitos deles fazendo uma diferença enorme em nossas vidas. Um deles, de Educação Física (pasmem!), tinha a coragem de dar aula às margens de um daqueles imensos rios, na tentativa de nos ensinar a nadar.

Não havia muita fonte de lazer, o que tínhamos de sobra era uma natureza exuberante, recortada por estradas de terra, rios e “pontes”, que até hoje fico imaginando como os carros se equilibravam sobre aquelas madeiras e saíamos vivos de lá. Todo mundo era muito jovem e ninguém ligava para o perigo.

Tivemos a sorte de conhecer pessoas realmente boas e fazer grandes e sinceras amizades. Dentre esses amigos, tínhamos uma família que possuía uma caminhonete. Não vou saber especificar a marca. Era vermelha e com uma carroceria de madeira, onde íamos sentados, aos solavancos, expostos a toda a liberdade que o momento e as estradas permitiam. Foram vários os domingos em que fomos a sítios, a outras cidades, aonde desse!

Em um desses passeios, fomos num domingo a uma ilha. Isso mesmo, o rio era tão largo, que se formava uma ilha no meio dele. Para chegar lá, era preciso deixar o carro à margem, pegar uma canoa e remar. Era tempo de seca, então dava para fazer isso. A correnteza era FORTÍSSIMA e levava, quase que por si só, a canoa.

A paisagem era linda. Água transparente, dava para ver o fundo do rio, cheio de pedras, dessas redondinhas, uma beleza selvagem. Havia também, aqui e ali, outras pedras, chamadas na região de “pedras de chocolate”, também orgânicas, achatadas pela correnteza, ENORMES.

Em um dado momento, a maioria do grupo foi subindo correnteza acima, andando, conversando, explorando o lugar. Alguns pegavam essas pedras, as grandes, e levavam erguidas sobre a cabeça, para fazer peso e ajudar a resistir à força das águas. Foram longe, rio acima. Por alguma razão, que não lembro qual, ficamos na ilha apenas minha irmã Isabel e eu. Enquanto ela permaneceu na beirada, eu entrei na água, para aproveitar aquela verdadeira delícia refrescante. Acontece que nenhuma de nós sabia nadar. E caí num poço. Uma espécie de “buraco”, que a gente só percebe que ali é fundo porque não sente mais o chão e é como se uma força estivesse sugando para baixo, por mais esforço que se faça para sair.  

Até hoje lembro a sensação de subir e afundar três vezes, e a água, em redemoinho, me puxando para baixo. Lembro nitidamente a aflição da minha irmã gritando por socorro, sem ninguém para ouvir. Acho que se ela tivesse tentado me salvar, de alguma maneira teríamos morrido, as duas.

Nesse momento, em frações de segundos, eu me lembrei das instruções daquele professor, o de Educação Física, na beira do rio: “Para flutuar, estique bem os braços e as pernas e deixe a cabeça mais para o fundo, entre os braços, que seu corpo sobe”. Segui sua voz e escapei da morte. 

Por ironia do destino, esse mesmo professor, Valdir Monfredinho, ao tentar salvar um aluno que estava se afogando, morreu. A cidade chorou dolorosamente sua perda. Minha irmã, de uma forma que jamais poderíamos imaginar, não está mais entre nós - essa é uma dor imensa em minha família.

Muito tempo se passou. Rondônia se desenvolveu muitíssimo. Agora, tem suas ruas asfaltadas, mansões, universidades, parques aquáticos. Ficaram as histórias, a superação, as amizades. Ficou a voz.

Na vida, creio que seja assim, cada um tem sua força, sua resistência e tem o que faz sentido para si num daqueles momentos em que as circunstâncias puxam para baixo, asfixiam e quase afogam.

Hoje me lembrei daquele professor. Sempre me lembro da minha irmã. Estico então os braços, as pernas e volto a flutuar. 



Edleuza

Semelhante a Consuelo e Socorro, Amparo é um dos poucos nomes femininos terminados em -o. Essas três palavras têm uma relação semântica e remetem às ações de consolar, socorrer e amparar. Isso faz lembrar algo da essência materna e da nossa condição, tão humana, de fragilidade. Consolo, socorro e amparo, em algum momento da vida, todos precisamos.

Por definição*, amparar é suster para impedir de cair, escorar, dar proteção, proteger.
A imagem que me vem à mente é de uma criança, aprendendo a se equilibrar em seus primeiros passos, sob o olhar protetor de alguém.

Do ponto de vista etimológico*, amparar traz significados bem curiosos e profundos:
Amparar vem do latim, anteparo, as, avi, atum, are.
Amparo (subts. abst.) provém de amparar por derivação regressiva: aparar > amparo.
Anteparare > amparare > amparar.
Em latim, anteparare tinha o sentido de preparar de antemão, dispor com antecipação.
Vem de parare (= preparar), precedido do prefixo ante (=anterioridade).
Interessante é que amparar e amparo têm a mesma raiz de anteparar e anteparo:
Anteparar é fazer parar antecipadamente, interromper.
Anteparo é parada antecipada, interrupção, suspensão.
Assim, amparar tem, do ponto de vista aspectual, uma projeção de futuro. Antepara-se de algo que virá (ou poderá vir a ocorrer).

Fico pensando... Não é isso o que fazemos com quem amamos? Não foi isso que fizeram conosco os que nos amavam e acreditavam que conheciam o caminho? 
O que não fazemos ideia é que o caminho sempre se modifica e se conforma aos pés de quem o pisa.

Em minha vida, especialmente nos momentos mais difíceis, sempre tive o amparo necessário. E ainda tenho. E isso, verdadeiramente, não é pouco. O amparo externo sempre me veio em forma de palavras, de abraço, de afeto e de bênçãos materiais. Pessoas, dádivas, muita gratidão.

Talvez porque tenha enfrentado ultimamente situações muito desafiadoras e nunca tenha aprendido tanto quanto agora, penso que esse amparo, o de fora e não o de dentro, funciona, digamos, como um empréstimo que a vida nos dá, até adquirirmos o que realmente nos tornará fortes e seguros para andarmos com os próprios pés. 

Estou propensa a acreditar que o momento em que realmente começamos a andar é justamente quando estamos face a face com nosso próprio desamparo. É quando o apoio externo não está mais ali e você começa a entender que não se pode mais dar passos com pernas que não são suas. É você, e pronto. 

A sensação é de que não há chão, só a dor no estômago, só o abismo, e a gente se lança porque TEM que se lançar. É preciso aprender, enfim, a 
amparar(-se).





(*Fonte: Ernani Terra.)


Edleuza

 “Dia das Mães e Dia dos Pais. Datas especiais criadas para homenagear talvez as duas figuras mais importantes na vida de uma pessoa. Se para muita gente a data marca almoços em família e dias de rever fotos, para outras a data tem um significado especial: é hora de lembrar aqueles que não têm laços sanguíneos, mas cuidam, nutrem e educam como verdadeiros pais.

É o que a E. E. Alvino Bittencourt, na capital, faz. Ao invés de 'Dia das Mães' ou 'Dia dos Pais', as datas comemorativas têm o nome de 'Dia de Quem Cuida de Mim' e busca homenagear todos aqueles que, direta ou indiretamente, fazem o papel de mãe ou pai na vida das crianças.

A ideia surgiu ainda em 2015, quando o diretor Denys Munhoz reparou a tristeza de algumas crianças, que não tinham a quem entregar as lembranças confeccionadas durante a semana antes do Dia das Mães.” (*)

Quando criança e adolescente, entre as datas importantes que a escola comemorava, ou que ensinava a comemorar, estavam essas duas. Ainda me lembro dos cartazes, lembrancinhas, encenações, músicas, enfim, do carinho e afeto com que confeccionávamos algo especial para eles, os nossos pais. Mas isso já faz tanto tempo!...

Atualmente, na escola, pelo menos na pública, nem se fala mais em “Dia dos Pais”. Falar o quê? Falar para quem? Parece que a figura paterna, aquela que ama, cuida, provê e protege, se tornou artigo de luxo para nossas crianças. É doloroso ver o número de alunos que não têm registrado o nome do pai no RG - outro tanto, se tem no registro, mas não tem no dia a dia, nem nos finais de semana, muito menos no fim do mês, para garantir o sustento. Trabalhamos com filhos de mães que acumulam os dois papéis; uma geração de “filhos-sem-pai”; ou, pior, uma geração do “ninguém-quer”, e por isso estão com a vó, com a tia, ou com alguém que apareceu no caminho, menos os pais.

Desse modo, a iniciativa de se nomear e de se comemorar de forma diferente o dia daqueles que, pais ou não, acompanham e cuidam, parece ter sua lógica. Os tempos mudaram, outra realidade se impõe, e se essa festividade com uma nova configuração fizer suscitar alegria, gratidão, potencializar afetos, que seja bem-vinda, muito bem-vinda!

Para mim, que tive (e ainda tenho) pai, não posso ter a mínima ideia do que significa essa ausência. Mas, por outro lado, posso perfeitamente descrever o que significa ter uma figura paterna “oito ou oitenta”; enérgico; bravo; patriarcal; alguém que se preocupava com tal intensidade a ponto de trabalhar anos a fio sem férias para não deixar faltar o sustento, mas que também era capaz de castigar severamente quem minimamente lhe desobedecesse. Sempre odiei prisões e imposições sem lógica, e por conta disso, não raras vezes me perguntava se a ausência não seria preferível a esse tipo de presença. Entenda: só sabe o quanto é difícil "não ter" e o quanto é difícil "ter de tal maneira" quem experiencia. Em se tratando de sentimento, não é possível julgar ou mensurar nada.

Hoje, depois de muita estrada, e de uma compreensão diferente da vida, o que sinto é gratidão. Gratidão a meu pai, pelos seus braços tão fortes que nos deram o sustento; gratidão pelo que de melhor ele conseguiu ser; gratidão por tudo de mais difícil que passou, que passamos, e pudemos superar, pois foi exatamente isso que me fez FORTE. Hoje creio, verdadeiramente, que tudo tem um propósito, tudo nessa vida é aprendizado. Alegria! Gratidão!

Para finalizar, mas poderia estar no topo desse texto pela importância que isso tem para mim, deixo registrada a grande DÁDIVA que a vida, generosamente, me concedeu: ter um filho de alguém que nasceu para ser PAI; que AMA incondicionalmente o filho; que conversa, responde a cada pergunta, tem paciência e dá atenção; que BRINCA, muito e tanto com ele; que lhe dedica o melhor do seu tempo; que o tem como prioridade em sua vida; que se transforma a cada dia por ele, para o bem dos dois; e a lista poderia ir longe... Estando com o pai ele está seguro e completo, num amor lindo e recíproco. O que mais eu poderia esperar na minha vida? Acho que ele é o filho de pais separados mais leve e feliz que conheço. Pais conscientes e verdadeiramente AMIGOS, e ele sente isso.

No próximo domingo, ele irá cantar para o pai, na programação da escola, e depois vão participar de brincadeiras juntos – costuma ser um fim de semana depois do dia oficial, para que as famílias comemorem, primeiro, com os filhos em casa. Durante a semana, ele vinha cantarolando a música especial no carro, e tentando me ensinar... Coisa mais linda é o amor de um filho para com o pai. Na verdade, é apenas o retorno, o reflexo, espontâneo, de tudo que ele tem recebido do PAI que tem – e que eu tenho a sorte de ver na vida dele. Imensa gratidão!!! 

(*) A reportagem pode ser lida na íntegra acessando a página:
https://www.educacao.sp.gov.br/noticia/boas-praticas/cuida-de-mim-o-projeto-que-reconhece-importancia-de-quem-educa/




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Por várias razões, aprendi a dirigir tarde, com trinta e poucos anos, e no lugar mais tranquilo possível para se fazer isso, a capital de São Paulo. Passei por tudo o que normalmente uma pessoa passa no estágio de aprendiz: frio no estômago, medo de bater em outro carro, medo que batessem em mim, sensação de que o carro não caberia de jeito nenhum naquela rua apertada ou entre os carros estacionados... Tive a certeza de que não iria conseguir. Mas consegui.

O segundo estágio, esse, que a gente já tem a carteira na mão, transcorreu com a regularidade do evento: um sufoco! Pesadelo que se repetia à noite como um filme, o carro sem freio e cruzando a avenida; joelhos que não paravam de tremer ao pegar o trânsito tranquilo e calmo do horário de pico. Comecei a ir de madrugada para a escola, só para fugir dos carros e minimizar o medo. Já na volta!... Ai, meu Deus! Foram várias as histórias, mas sem nenhuma tragédia, ainda bem.

Hoje me lembro disso e dou risada sozinha, porque depois que passa, parece muito simples e engraçado!...

Não é curioso como alguns aprendizados na vida, especialmente os emocionais, se parecem com esse, o de dirigir? Há coisas que você quer (ou precisa, ou deve) aprender, e não dá para ser de outro jeito, você tem que ficar DENTRO do carro, tem que sentir na pele a situação. Só assim aprenderá. Simulações não existem nesse caso.
Seria tão mais fácil se a gente pudesse puxar o freio de mão, abrir a porta e sair correndo... Não dá. Sem a vivência, não dá para saber, não dá para amadurecer o tanto que precisa. Jamais aprenderia a enfrentar o medo da dor, o medo de ser. Se descer do carro, você não poderá experimentar a sensação incrível do “consegui!”, do “enfim, agora sei” - e de olhar para trás, depois do processo, do tempo necessário, e sentir-se orgulhosa de si mesma.


Edleuza



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"Há sol lá fora, há tanta coisa... O tempo bonito me lembra que preciso repensar minha vida, meu trabalho para o semestre que vem. O tempo faltante me remete ao inacabado, incompleto, não estou conseguindo nem viver, nem cuidar das minhas relações afetivas. O tempo se dissolve em minhas mãos, enquanto meu filho cresce. O tempo me lembra que não tenho tempo." (Sábado, 20/04/2019, cansada, repensando a vida.)


Edleuza
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Em minha casa, lá da infância, sempre fomos “nós” – pela subsistência, pelo trabalho, pelos estudos. Pai operário, mãe, cinco filhos. Todos nós começamos a trabalhar ainda adolescentes e soubemos, desde cedo, que o único caminho para quebrar o ciclo da pobreza seria estudar e estudar e estudar.

Com quase nada de recursos e muitas dificuldades, seguimos. Trabalho e estudo sempre somaram a mesma conta, responsabilidade e persistência eram palavras obrigatórias em nosso vocabulário. Cada um, a seu tempo, foi abrindo as portas que puderam ser abertas. Fizemos graduação e depois pós, mesmo alguns com filhos e trabalhando em tempo integral.

E a vida seguiu seu curso. Hoje, os filhos dos filhos de nossos pais podem vivenciar outra realidade e ter muito do que não tivemos. À segunda geração também foi ensinado o caminho da escola, alguns já se (pós)graduaram e continuam estudando.

Independentemente de tudo, estudar sempre exerceu um fascínio em mim. Vontade de saber sobre tanta coisa, especialmente no que se refere à língua, linguagem, comunicação, comportamento humano. Na verdade, tudo me encanta! Ou melhor, me encantava, até começar a compreender que quem tem a pretensão de saber sobre tudo acaba não sabendo (profundamente) sobre nada.

Sempre que tenho a oportunidade de entrar numa sala de aula para aprender algo, é uma alegria enorme. Volto no tempo. Vem, nesse momento, uma vontade imensa de ter uns trinta anos a menos e muito conhecimento a mais.

Acho admirável quando uma pessoa percebe, bem cedo, o valor que o conhecimento tem e se lança nesse universo com afinco, subindo degrau após degrau, até o nível mais alto do saber. Há os que defendem a ideia de que o aluno vá até certo nível (mestrado, por exemplo), depois dê um tempo da academia, para que possa adquirir um pouco de maturidade, e só depois venha a continuar. Certamente esse ponto de vista tem sua coerência, e respeito, não vou discutir isso aqui. Mas, a meu ver, é nesse “bem cedo” que se tem energia e vitalidade de sobra para encarar os desafios que uma boa formação pressupõe: horas e horas de leitura, pesquisa, aulas, eventos, publicações. É no “bem cedo” que, em condições normais, ainda se pode ser dono do seu tempo e de si - se preciso for, pode virar noite, emendar com o dia, e mais um dia, para dar conta de alguma urgência acadêmica e tudo bem.

Para ser sincera, se pudesse falar para alguém que está começando, eu diria “emende”! Aproveite esse tempo único e especial, mergulhe nos estudos enquanto a vida ainda é (praticamente) só sua. Faça graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado... Siga o fluxo, não pare – é meio alucinante, mas siga. Porque a pausa pode quebrar o ritmo, dentro do depois podem caber muitas coisas, inclusive, exatamente aquela que o impedirá de seguir adiante.

Do lado de cá, em que o “bem cedo” já se desfez há muito tempo e a vida anda meio arbitrária, com responsabilidades e imposições, ainda considero uma dádiva (e uma delícia) estudar.

Edleuza
Uma das melhores coisas da vida. Feliz de quem vive uma relação assim!...

Para que serve uma relação?

Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com outra pessoa, à vontade para concordar com ela e discordar dela, para ter sexo sem não-me-toques ou para cair no sono logo após o jantar, pregado.

Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de mãos dadas, para ter alguém que instale o som novo enquanto você prepara uma omelete, para ter alguém com quem viajar para um país distante, para ter alguém com quem ficar em silêncio sem que nenhum dos dois se incomode com isso.

Uma relação tem que servir para, às vezes, estimular você a se produzir, e, quase sempre, estimular você a ser do jeito que é, de cara lavada e bonita a seu modo.

Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas suas inquietações, para ensinar a confiar, a respeitar as diferenças que há entre as pessoas, e deve servir para fazer os dois se divertirem demais, mesmo em casa, principalmente em casa.

Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num momento de aperto, e cobrir as dores um do outro num momento de melancolia, e cobrirem corpo um do outro quando o cobertor cair.

Uma relação tem que servir para um acompanhar o outro ao médico, para um perdoar as fraquezas do outro, para um abrir a garrafa de vinho e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo, cientes de que o mundo não se resume aos dois.

Dráuzio Varella
2013
Edleuza
Poesia pós-tudo - Augusto de Campos
pluvial / fluvial (1954-1960). In
Viva Vaia (Poesia 1949-1979)
   
Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1979.


A chuva cai 
Cai na vertical a água pluvial... 
Enchendo o rio que flui, flui 
em direção ao mar...

Em palavras bem simples:
pluvial: água de chuva
fluvial: água de rio

Uma curiosidade:
Quem nasce no estado do Rio de Janeiro é fluminense, que vem do latim flumine (=rio) mais o sufixo - ense (=natural). É por isso que água de rio é água fluvial. O adjetivo fluvial refere-se a rio. Um fluviômetro, por exemplo, é o instrumento que mede a altura das enchentes dos rios. Navegação fluvial é navegação em rios. (Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/).

Existem pessoas cuja profundidade do conhecimento nos inspira e a generosidade da alma nos encanta!... (Ao Ernani Terra, uma dessas pessoas lindas que a vida nos dá!) 




Edleuza
SILVESTRE E O IDIOMA

Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.
Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.
Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.
É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem cabimento
em nenhum idioma.
Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebatizara, vezes sem fim.
Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.

Mia Couto
In 'Idades Cidades Divindades'
Edleuza


Esta semana estava eu em casa com meu pequeno, ativo e tagarela Dudu, com seus mil movimentos pra lá e pra cá, na mais pura e típica curiosidade dos seis anos de vida - "seis anos e meio", como ele mesmo faz questão de afirmar.

Começa então a brincar no quarto, com as portas de correr do guarda-roupa, como se fosse um grande trem levando passageiros, quando, de repente, para e diz com ênfase:

- Nossa, mamãe, você "viu" esse cheiro?!

- Que cheiro? perguntei, sem sentir nada.

Ele olha para dentro do armário, põe as mãozinhas numa blusa dobrada e diz:

- O cheiro da sua blusa, de quando você vai me buscar na escola.

Nossa!... É nesse momento que o mundo para por um segundo e traz consigo aquela sensação de que tudo tem valido a pena. Cada sufoco, cada esforço para estar o mais próxima possível, mesmo dentro de uma rotina corrida e desgastante da cidade grande. Cada correr contra o relógio para conseguir buscá-lo a tempo, cada abraço, atenção, cada resposta às suas muitas perguntas (e a confirmação dessas mesmas respostas), tudo passa a fazer sentido.

O amor dá frutos e retorna ao lugar de onde partiu... No momento em que menos se espera ele aparece no cheiro de uma blusa, numa flor minúscula que foi colhida só para você, ou na forma mais inusitada (e tocante) possível.











Edleuza

"Nossa, mamãe, você está linda!!"
(o cabelo apenas preso com grampos)

"Posso fazer carinho em você?"
(já com as mãozinhas em suas costas)

"Acho que o carro caiu porque essa descida é muito íngreme!"
(quando a linguagem oral surpreende e você tem a certeza, a alegria, de que seu acompanhamento está dando certo)

"Meu Deus, mamãe, você está linda demais!!"
(um pouquinho só de maquiagem no rosto, nada mais)

"Você investiu nas gordurinhas, hein?..."
(passando a mão na sua barriga, com a carinha mais sapeca do mundo!)

"Por que você já vai embora? Eu vou sentir saudades, você está ficando muito tempo longe de mim, o papai fica mais."
(quando você faz de tudo para a separação não afetar o coraçãozinho de seu filho de seis anos, mas tem a sensação de que jamais fará o suficiente)












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