Edleuza
Na Folha de 08/12/11 foi publicada uma reflexão sobre o comportamento humano que vale a pena ser lida e relida. Parabéns ao autor, Contardo Calligaris (e obrigada à Isabel Prandina pela indicação!).


Pentimentos

"Pentimento" é a palavra italiana para arrependimento, mas designa (em muitas línguas) uma pintura, um desenho ou um esboço encoberto pela versão final de um quadro.

Às vezes, com o passar do tempo, a tinta deixa transparecer uma composição em cima da qual o artista pintou uma nova versão.

Outras vezes, os raios-x dos restauradores desvendam opções anteriores, que permaneceram debaixo da obra final. Esses esboços ou pinturas, que o artista rejeitou e encobriu, são os pentimentos, que foram descartados sem ser propriamente apagados.

Visível ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história.

Pensei nisso assistindo a "Um Dia", de Lone Scherfig, que estreou na sexta passada. O filme é a adaptação do romance homônimo de David Nicholls (Intrínseca), que foi uma das leituras que mais me tocaram neste ano e que já comentei brevemente na coluna de 21 de julho.

O livro e o filme (cujo roteiro é do próprio Nicholls) contam a história de Emma e Dexter, que são unidos pelo pentimento: cada um deles é o grande pentimento do outro -ou seja, ao longo dos anos, cada um é, para o outro, a lembrança de que um outro destino teria sido possível.

Reflexões, saindo do cinema:

1) Nossas vidas são abarrotadas de caminhos que deixamos de pegar; são todos pentimentos, mais ou menos encobertos: histórias que não se realizaram. Por que não se realizaram? Em geral, pensamos que nos faltou a coragem: não soubemos renunciar às coisas das quais era necessário abdicar para que outras escolhas tivessem uma chance. E é verdade que, quase sempre, desistimos de desejos, paixões e sonhos porque custamos a aceitar que nada se realiza sem perdas: por não querermos perder nada, acabamos perdendo tudo.

Emma e Dexter, por exemplo, ficam cada um como pentimento do outro porque nenhum dos dois consegue renunciar à sua insegurança (que é, aliás, o que os torna tão tocantes e parecidos com a gente): ela morrendo de medo de ser rejeitada, e ele, sedento de aprovação, fama e sucesso.

2) O problema dos pentimentos é que eles esvaziam a vida que temos. O passado que não se realizou funciona como a miragem da felicidade que teria sido possível se tivéssemos feito a escolha "certa". Diante disso, de que adianta qualquer experiência presente? Emma e Dexter, por exemplo, são condenados a fracassos amorosos pela própria importância de seu pentimento.

3) Nem sempre os pentimentos são bons conselheiros -até porque, às vezes, eles são falsos (esse, obviamente, não é o caso de Emma e Dexter). Hoje, é fácil esbarrar em espectros do passado: as redes sociais proporcionam reencontros improváveis e, com isso, criam pentimentos artificiais. Graças às redes, uma história que foi realmente apagada da memória (não apenas encoberta) pode renascer como se representasse uma grande potencialidade à qual teríamos renunciado.

No reencontro, um namorico da adolescência, insignificante e esquecido, transforma-se em (falso) pentimento, ou seja, numa aventura que poderia ter aberto para nós as portas do paraíso (onde ainda estaríamos agora, se tivéssemos ousado trilhar esse caminho).

Quando examino as fotos de minhas turmas do colégio, sempre fico com a impressão de que deixei amizades e amores inacabados ou nem começados, mas que teriam revolucionado meu futuro. É como se me perguntasse "Quem era minha Emma? Para quem eu era o Dexter?", fantasiando pentimentos de relações que nunca existiram.

Somos perigosamente nostálgicos de escolhas passadas alternativas, que teriam nos levado a um presente diferente. Se essas escolhas não existiram, somos capazes de inventá-las -e de vivê-las como pentimentos.

Avisos: os pentimentos não são necessariamente recíprocos, e os falsos pentimentos, revisitados, são pequenas receitas para o desastre.

4) Estreia amanhã "As Canções", de Eduardo Coutinho. Homens e mulheres cantam a música que foi crucial na sua vida (e explicam por que ela foi crucial). Em alguns casos, especialmente tocantes, as músicas são trilhas sonoras de pentimentos.

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/13562-pentimentos.shtml)


Edleuza

Com frequência, noticiários mostram que existem vagas no mercado de trabalho, mas que falta gente qualificada. Isso, em decorrência de uma educação deficitária, desde as séries iniciais até (pasmem!) alguns cursos de graduação.

Recém chegada de uma boa experiência na rede particular de ensino e conhecendo mais de perto a realidade da escola pública atual, só posso dizer que fico emocionada quando vejo alguns alunos do ensino público fazendo planos, estudando por iniciativa própria, se esforçando, pedindo ajuda para entender esse ou aquele conteúdo.

Ao contrário do que alguns possam estar pensando, essa emoção toda não é porque eu os considere "coitados", e muito menos vítimas sociais. Em relação a questões materiais, por exemplo, nosso aluno do município de SP tem tudo o que precisa, gratuitamente, desde o caderno e o lápis até a alimentação diária (almoço mesmo, com pratos fartos, variados e substanciosos). Os livros didáticos que usam são os mesmos de renomadas escolas da rede privada - e que os pais "de lá" pagam bem caro por eles.

A questão, portanto, não é material, não tem essa de "eles podem e eu não". Seria no mínimo injusto afirmar que essa tal educação deficitária é decorrente (apenas) da falta de condições financeiras. Não é preciso ser grande observador para constatar que a questão é muito mais séria e complexa.

Na verdade, já faz algum tempo que vem ocorrendo uma inversão de valores e de perfis em nossas salas de aula: antes, os desinteressados, baderneiros, "maus alunos" eram a minoria; hoje, não estudar, não levar a sério, não respeitar, ser bad boy é que se tornou comum, e os que estudam são exatamente uma pequena parcela da classe.

A meu ver, a grave situação da escola pública nada mais é do que o reflexo de um problema social bem mais profundo e grave: a falta de família - família (lembra?), aquelas pessoas que muitos de nós tivemos durante a vida, que nos acompanharam, nos transmitiram valores, nos apoiaram, mas que também souberam nos ensinar respeito, limites e cidadania... Com a falta de família e sob um sistema de (des)educação que ensina a passar para a série seguinte sem mérito, não é de se admirar que os níveis de conhecimento se revelem escandalosamente baixos sociedade afora...


Assim, quando vejo algum aluno dessa incrível minoria estudando, fico emocionada, e por duas razões: primeiro, por saber que, mesmo submersos nesse sistema absurdo de "aprovação continuada", ainda buscam conhecimento; e segundo, por perceber que alguns deles ainda têm mães, pais, avós, ou alguém que os eduque em casa e que dê a orientação e o apoio de que precisam para crescer intelectualmente e como seres humanos - para quem não sabe, isso é raridade hoje em dia, especialmente nas classes mais baixas.

Quando vejo alguns dos meus alunos se preparando para uma ETEC da vida, ou para abrir um horizonte mais significativo para si, cresce a esperança de vê-los se tornando ótimos e competentes profissionais. A vontade que me dá é de sair falando num alto-falante que ainda existem estudantes na escola pública! - não é isso que o jornalismo faz com fatos nada comuns??









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Resolvido o impasse pra saber quem realmente ronca à noite:


"RONCA QUEM DORME PRIMEIRO"


(José Lito Pegado também é cultura: adorei!)




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Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.

(Millôr Fernandes)




(Imagem: Cecília Murgel - adaptada)

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