Edleuza
Edleuza
Edleuza
Edleuza
(2012)


Já faz algum tempo que algumas datas comemorativas, aquelas especiais e imprescindíveis, que as crianças contam os dias para chegar, criaram luzes e passaram a piscar em meu calendário. Esquecer, deixar passar em branco? Nem pensar! Tem um menino nessa história, cheio de VIDA, com uma memória invejável e uma facilidade enorme para cálculos. Aniversários, Dia das Crianças, Dias dos Pais, dia de tudo, nada passa despercebido, especialmente se houver presente na jogada – traduza-se “presente” por “brinquedo”, tudo o que for diferente disso não terá sentido algum. 

Para ele, todas as datas especiais são importantes, então a gente se desdobra, dribla o tempo e o cansaço, muitas vezes, só para ver aquele sorriso e os olhinhos brilhando, festejando o que tem que se festejar. Mas vale muito a pena! Por um filho, sempre vale. 

Durante esse ano, comemoramos todas as datas especiais – com isolamento e tudo. Houve presentes, houve amor, houve alegria. 

Daqui a pouco é Natal. A inquietação nas lojas e ruas já anuncia que está perto “a” data do ano! 

É Natal. É família. É delicado.

Quando se tem, no entanto, a dádiva de pessoas carinhosas, alegres, que envolvem com tanto amor quem mais a gente ama, então está tudo certo. Longe ou perto, ele estando feliz, meu coração se tranquiliza e festeja também. Há sempre muito, muito o que agradecer.



Edleuza


Foi em Rondônia, há muito, muito tempo! Eu era adolescente, então, põe tempo nisso! Essa era uma época em que as cidades do interior possuíam pouquíssimas ruas asfaltadas e vivíamos dois períodos no ano: um de seca e um de chuva. Muita seca, muita chuva. Estávamos lá, como tantas outras famílias, em busca da subsistência. Enquanto nossos pais, os homens, construíam a BR 364, que ligaria Cuiabá a Porto Velho, nós estudávamos e, vários de nós, já trabalhavam.

As escolas ficaram lotadas, com tanta gente vinda de tantos lugares. A escola pública, a nossa escola pública, como sempre, nos acolheu a todos. Posso me lembrar de vários professores, muitos deles fazendo uma diferença enorme em nossas vidas. Um deles, de Educação Física (pasmem!), tinha a coragem de dar aula às margens de um daqueles imensos rios, na tentativa de nos ensinar a nadar.

Não havia muita fonte de lazer, o que tínhamos de sobra era uma natureza exuberante, recortada por estradas de terra, rios e “pontes”, que até hoje fico imaginando como os carros se equilibravam sobre aquelas madeiras e saíamos vivos de lá. Todo mundo era muito jovem e ninguém ligava para o perigo.

Tivemos a sorte de conhecer pessoas realmente boas e fazer grandes e sinceras amizades. Dentre esses amigos, tínhamos uma família que possuía uma caminhonete. Não vou saber especificar a marca. Era vermelha e com uma carroceria de madeira, onde íamos sentados, aos solavancos, expostos a toda a liberdade que o momento e as estradas permitiam. Foram vários os domingos em que fomos a sítios, a outras cidades, aonde desse!

Em um desses passeios, fomos num domingo a uma ilha. Isso mesmo, o rio era tão largo, que se formava uma ilha no meio dele. Para chegar lá, era preciso deixar o carro à margem, pegar uma canoa e remar. Era tempo de seca, então dava para fazer isso. A correnteza era FORTÍSSIMA e levava, quase que por si só, a canoa.

A paisagem era linda. Água transparente, dava para ver o fundo do rio, cheio de pedras, dessas redondinhas, uma beleza selvagem. Havia também, aqui e ali, outras pedras, chamadas na região de “pedras de chocolate”, também orgânicas, achatadas pela correnteza, ENORMES.

Em um dado momento, a maioria do grupo foi subindo correnteza acima, andando, conversando, explorando o lugar. Alguns pegavam essas pedras, as grandes, e levavam erguidas sobre a cabeça, para fazer peso e ajudar a resistir à força das águas. Foram longe, rio acima. Por alguma razão, que não lembro qual, ficamos na ilha apenas minha irmã Isabel e eu. Enquanto ela permaneceu na beirada, eu entrei na água, para aproveitar aquela verdadeira delícia refrescante. Acontece que nenhuma de nós sabia nadar. E caí num poço. Uma espécie de “buraco”, que a gente só percebe que ali é fundo porque não sente mais o chão e é como se uma força estivesse sugando para baixo, por mais esforço que se faça para sair.  

Até hoje lembro a sensação de subir e afundar três vezes, e a água, em redemoinho, me puxando para baixo. Lembro nitidamente a aflição da minha irmã gritando por socorro, sem ninguém para ouvir. Acho que se ela tivesse tentado me salvar, de alguma maneira teríamos morrido, as duas.

Nesse momento, em frações de segundos, eu me lembrei das instruções daquele professor, o de Educação Física, na beira do rio: “Para flutuar, estique bem os braços e as pernas e deixe a cabeça mais para o fundo, entre os braços, que seu corpo sobe”. Segui sua voz e escapei da morte. 

Por ironia do destino, esse mesmo professor, Valdir Monfredinho, ao tentar salvar um aluno que estava se afogando, morreu. A cidade chorou dolorosamente sua perda. Minha irmã, de uma forma que jamais poderíamos imaginar, não está mais entre nós - essa é uma dor imensa em minha família.

Muito tempo se passou. Rondônia se desenvolveu muitíssimo. Agora, tem suas ruas asfaltadas, mansões, universidades, parques aquáticos. Ficaram as histórias, a superação, as amizades. Ficou a voz.

Na vida, creio que seja assim, cada um tem sua força, sua resistência e tem o que faz sentido para si num daqueles momentos em que as circunstâncias puxam para baixo, asfixiam e quase afogam.

Hoje me lembrei daquele professor. Sempre me lembro da minha irmã. Estico então os braços, as pernas e volto a flutuar. 



Edleuza

Semelhante a Consuelo e Socorro, Amparo é um dos poucos nomes femininos terminados em -o. Essas três palavras têm uma relação semântica e remetem às ações de consolar, socorrer e amparar. Isso faz lembrar algo da essência materna e da nossa condição, tão humana, de fragilidade. Consolo, socorro e amparo, em algum momento da vida, todos precisamos.

Por definição*, amparar é suster para impedir de cair, escorar, dar proteção, proteger.
A imagem que me vem à mente é de uma criança, aprendendo a se equilibrar em seus primeiros passos, sob o olhar protetor de alguém.

Do ponto de vista etimológico*, amparar traz significados bem curiosos e profundos:
Amparar vem do latim, anteparo, as, avi, atum, are.
Amparo (subts. abst.) provém de amparar por derivação regressiva: aparar > amparo.
Anteparare > amparare > amparar.
Em latim, anteparare tinha o sentido de preparar de antemão, dispor com antecipação.
Vem de parare (= preparar), precedido do prefixo ante (=anterioridade).
Interessante é que amparar e amparo têm a mesma raiz de anteparar e anteparo:
Anteparar é fazer parar antecipadamente, interromper.
Anteparo é parada antecipada, interrupção, suspensão.
Assim, amparar tem, do ponto de vista aspectual, uma projeção de futuro. Antepara-se de algo que virá (ou poderá vir a ocorrer).

Fico pensando... Não é isso o que fazemos com quem amamos? Não foi isso que fizeram conosco os que nos amavam e acreditavam que conheciam o caminho? 
O que não fazemos ideia é que o caminho sempre se modifica e se conforma aos pés de quem o pisa.

Em minha vida, especialmente nos momentos mais difíceis, sempre tive o amparo necessário. E ainda tenho. E isso, verdadeiramente, não é pouco. O amparo externo sempre me veio em forma de palavras, de abraço, de afeto e de bênçãos materiais. Pessoas, dádivas, muita gratidão.

Talvez porque tenha enfrentado ultimamente situações muito desafiadoras e nunca tenha aprendido tanto quanto agora, penso que esse amparo, o de fora e não o de dentro, funciona, digamos, como um empréstimo que a vida nos dá, até adquirirmos o que realmente nos tornará fortes e seguros para andarmos com os próprios pés. 

Estou propensa a acreditar que o momento em que realmente começamos a andar é justamente quando estamos face a face com nosso próprio desamparo. É quando o apoio externo não está mais ali e você começa a entender que não se pode mais dar passos com pernas que não são suas. É você, e pronto. 

A sensação é de que não há chão, só a dor no estômago, só o abismo, e a gente se lança porque TEM que se lançar. É preciso aprender, enfim, a 
amparar(-se).





(*Fonte: Ernani Terra.)


Edleuza

 “Dia das Mães e Dia dos Pais. Datas especiais criadas para homenagear talvez as duas figuras mais importantes na vida de uma pessoa. Se para muita gente a data marca almoços em família e dias de rever fotos, para outras a data tem um significado especial: é hora de lembrar aqueles que não têm laços sanguíneos, mas cuidam, nutrem e educam como verdadeiros pais.

É o que a E. E. Alvino Bittencourt, na capital, faz. Ao invés de 'Dia das Mães' ou 'Dia dos Pais', as datas comemorativas têm o nome de 'Dia de Quem Cuida de Mim' e busca homenagear todos aqueles que, direta ou indiretamente, fazem o papel de mãe ou pai na vida das crianças.

A ideia surgiu ainda em 2015, quando o diretor Denys Munhoz reparou a tristeza de algumas crianças, que não tinham a quem entregar as lembranças confeccionadas durante a semana antes do Dia das Mães.” (*)

Quando criança e adolescente, entre as datas importantes que a escola comemorava, ou que ensinava a comemorar, estavam essas duas. Ainda me lembro dos cartazes, lembrancinhas, encenações, músicas, enfim, do carinho e afeto com que confeccionávamos algo especial para eles, os nossos pais. Mas isso já faz tanto tempo!...

Atualmente, na escola, pelo menos na pública, nem se fala mais em “Dia dos Pais”. Falar o quê? Falar para quem? Parece que a figura paterna, aquela que ama, cuida, provê e protege, se tornou artigo de luxo para nossas crianças. É doloroso ver o número de alunos que não têm registrado o nome do pai no RG - outro tanto, se tem no registro, mas não tem no dia a dia, nem nos finais de semana, muito menos no fim do mês, para garantir o sustento. Trabalhamos com filhos de mães que acumulam os dois papéis; uma geração de “filhos-sem-pai”; ou, pior, uma geração do “ninguém-quer”, e por isso estão com a vó, com a tia, ou com alguém que apareceu no caminho, menos os pais.

Desse modo, a iniciativa de se nomear e de se comemorar de forma diferente o dia daqueles que, pais ou não, acompanham e cuidam, parece ter sua lógica. Os tempos mudaram, outra realidade se impõe, e se essa festividade com uma nova configuração fizer suscitar alegria, gratidão, potencializar afetos, que seja bem-vinda, muito bem-vinda!

Para mim, que tive (e ainda tenho) pai, não posso ter a mínima ideia do que significa essa ausência. Mas, por outro lado, posso perfeitamente descrever o que significa ter uma figura paterna “oito ou oitenta”; enérgico; bravo; patriarcal; alguém que se preocupava com tal intensidade a ponto de trabalhar anos a fio sem férias para não deixar faltar o sustento, mas que também era capaz de castigar severamente quem minimamente lhe desobedecesse. Sempre odiei prisões e imposições sem lógica, e por conta disso, não raras vezes me perguntava se a ausência não seria preferível a esse tipo de presença. Entenda: só sabe o quanto é difícil "não ter" e o quanto é difícil "ter de tal maneira" quem experiencia. Em se tratando de sentimento, não é possível julgar ou mensurar nada.

Hoje, depois de muita estrada, e de uma compreensão diferente da vida, o que sinto é gratidão. Gratidão a meu pai, pelos seus braços tão fortes que nos deram o sustento; gratidão pelo que de melhor ele conseguiu ser; gratidão por tudo de mais difícil que passou, que passamos, e pudemos superar, pois foi exatamente isso que me fez FORTE. Hoje creio, verdadeiramente, que tudo tem um propósito, tudo nessa vida é aprendizado. Alegria! Gratidão!

Para finalizar, mas poderia estar no topo desse texto pela importância que isso tem para mim, deixo registrada a grande DÁDIVA que a vida, generosamente, me concedeu: ter um filho de alguém que nasceu para ser PAI; que AMA incondicionalmente o filho; que conversa, responde a cada pergunta, tem paciência e dá atenção; que BRINCA, muito e tanto com ele; que lhe dedica o melhor do seu tempo; que o tem como prioridade em sua vida; que se transforma a cada dia por ele, para o bem dos dois; e a lista poderia ir longe... Estando com o pai ele está seguro e completo, num amor lindo e recíproco. O que mais eu poderia esperar na minha vida? Acho que ele é o filho de pais separados mais leve e feliz que conheço. Pais conscientes e verdadeiramente AMIGOS, e ele sente isso.

No próximo domingo, ele irá cantar para o pai, na programação da escola, e depois vão participar de brincadeiras juntos – costuma ser um fim de semana depois do dia oficial, para que as famílias comemorem, primeiro, com os filhos em casa. Durante a semana, ele vinha cantarolando a música especial no carro, e tentando me ensinar... Coisa mais linda é o amor de um filho para com o pai. Na verdade, é apenas o retorno, o reflexo, espontâneo, de tudo que ele tem recebido do PAI que tem – e que eu tenho a sorte de ver na vida dele. Imensa gratidão!!! 

(*) A reportagem pode ser lida na íntegra acessando a página:
https://www.educacao.sp.gov.br/noticia/boas-praticas/cuida-de-mim-o-projeto-que-reconhece-importancia-de-quem-educa/




Edleuza

Por várias razões, aprendi a dirigir tarde, com trinta e poucos anos, e no lugar mais tranquilo possível para se fazer isso, a capital de São Paulo. Passei por tudo o que normalmente uma pessoa passa no estágio de aprendiz: frio no estômago, medo de bater em outro carro, medo que batessem em mim, sensação de que o carro não caberia de jeito nenhum naquela rua apertada ou entre os carros estacionados... Tive a certeza de que não iria conseguir. Mas consegui.

O segundo estágio, esse, que a gente já tem a carteira na mão, transcorreu com a regularidade do evento: um sufoco! Pesadelo que se repetia à noite como um filme, o carro sem freio e cruzando a avenida; joelhos que não paravam de tremer ao pegar o trânsito tranquilo e calmo do horário de pico. Comecei a ir de madrugada para a escola, só para fugir dos carros e minimizar o medo. Já na volta!... Ai, meu Deus! Foram várias as histórias, mas sem nenhuma tragédia, ainda bem.

Hoje me lembro disso e dou risada sozinha, porque depois que passa, parece muito simples e engraçado!...

Não é curioso como alguns aprendizados na vida, especialmente os emocionais, se parecem com esse, o de dirigir? Há coisas que você quer (ou precisa, ou deve) aprender, e não dá para ser de outro jeito, você tem que ficar DENTRO do carro, tem que sentir na pele a situação. Só assim aprenderá. Simulações não existem nesse caso.
Seria tão mais fácil se a gente pudesse puxar o freio de mão, abrir a porta e sair correndo... Não dá. Sem a vivência, não dá para saber, não dá para amadurecer o tanto que precisa. Jamais aprenderia a enfrentar o medo da dor, o medo de ser. Se descer do carro, você não poderá experimentar a sensação incrível do “consegui!”, do “enfim, agora sei” - e de olhar para trás, depois do processo, do tempo necessário, e sentir-se orgulhosa de si mesma.


Edleuza



Edleuza

Related Posts with Thumbnails
Related Posts with Thumbnails